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Entrevista



Entrevista - Alan Oju

por Mateus Bifano - Arquitetura e Urbanismo - Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix

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01. Para iniciar, gostaria que você descrevesse a sua relação com a cidade e a sua opinião sobre o uso dos espaços públicos: você acha que estes espaços estão sendo utilizados?


Nasci no ABC paulista na década de 80 e atualmente moro na cidade de São Paulo, então, vou falar da minha relação com a(s) cidade(s) a partir deste contexto geográfico, um contexto de trânsitos. Sinto a necessidade de antes de começar a descrever minha relação – como a pergunta pede - localizar de onde vêm este ponto de vista, pois cada cidade é uma cidade, não dá muito para generalizar esse substantivo, inclusive a mesma cidade muda muito em poucos anos, estamos vivendo em um período tão fugaz, que o ABC em que cresci e me formei já não é mais o mesmo, a própria cidade de São Paulo atualmente é muito diferente da cidade que eu visitava para ir a shows e dar rolês. E assim como as cidades mudam, nós mudamos também, e isto afeta essas relações, existe uma grande plasticidade que nunca cessa.

Agora, respondendo mais diretamente sua pergunta, dois aspectos que acho importante serem salientados nessa relação e que formaram quem eu sou, foram: o constante trânsito entre cidades na minha adolescência e a noção ampliada de espaço que isso gerou. Por exemplo, eu morava em Santo André, estudava em São Bernardo e cursava técnico em São Caetano, e para me divertir, eu que circulava na cena underground do punk, quase sempre ia para São Paulo, de transporte público, ônibus, trem, metrô, trólebus... Ou seja, sempre me vi em trânsito, e em meio a essa mobilidade, também caminhava muito, quase sempre economizava o dinheiro do transporte para gastar com outras coisas, essa relação de suor no espaço urbano sempre me abriu para vários tipos de trocas, a pixação tal qual flertei com por um bom tempo é exemplo disso, era mágico andar pelas cidades conectado aos rolês de terceiros, trazia uma sensação de nunca estar só, eu sempre via algo novo nos meus trajetos, sempre sabia que na noite anterior estiveram ali, e isso me faz até hoje estar atento aos signos da rua, o fato de eu produzir intervenções com certeza esta ligado a esse passado. O outro aspecto que quero mencionar, está diretamente relacionado aos trânsitos que citei a pouco, trata-se da noção ampliada que eu acho que tenho deste espaço, meu raio de familiaridade com a metrópole é mais extenso do que o de algumas pessoas, o que é coisa típica da gente que veio da periferia, por muito tempo tive que me deslocar mais de 20 km diariamente para me divertir, estudar, trabalhar, fazer tudo. Este fato traz um ganho cognitivo urbano, muito diferente daqueles que sempre viveram em uma só zona ou bairro. Minha noção de perto é bem ampla, é intermunicipal. Não quero dizer que é melhor ou pior, mas que esta singularidade me fez olhar mais pra esse espaço e com certeza fez ser quem sou e repercute na minha pesquisa poética.

Em resumo, minha relação com a cidade é de prática.


Sobre sua segunda pergunta embutida, referente a utilização dos espaços públicos, esta resposta varia muito também de acordo com o CEP, aqui onde moro atualmente, na divisa entre os bairros Sacomã e Heliópolis em São Paulo, o espaço público é um espaço de passagem, não há praças por aqui e poucas árvores, já em outras regiões da cidade, a arborização e a incidência de praças públicas é gritantemente diferente, o que já traz uma questão sócio-econômica para qualquer noção de espaço público, aqui, o espaço público é utilizado de modo improvisado com cadeiras na rua, é uma utilização de resistência em meio a precariedade, já em outros bairros, a utilização é outra, mais fluída, convidativa.

Eu poderia também responder essa pergunta (ou dar opinião conforme solicitado) por outro viés: a street art, que considero que faz um uso radical do espaço público, como um espaço trocas e léxis, evidenciando muitas vezes a própria tensão do espaço público como comum. Sobre tais tensões, acho que nunca haverá consenso, a cidade é um emaranhado agonístico, onde o dissenso é uma das marcas.

Dar uma opinião acho um tanto perigoso, pois as nuances são muitas e tudo muda, mas com certeza o espaço público onde habito está longe de ser aproveitado em todas as suas potências, enquanto as ruas forem para os carros e a proliferação da lógica dos condomínios continuar a (de)formar os desejos, o espaço público será cada vez mais desértico enquanto os shoppings centers estarão cada vez mais cheios.


02. Como você considera que o espaço nos afeta?


Esta é uma pergunta de uma vida (ao menos da minha). Por muito tempo, os muros da cidade me davam sensação de claustrofobia, e tive que pulá-los (no trabalho Janelas, por exemplo) ou quebra-los (em Paisagem Esculpida I e II) para ter os horizontes que necessitava, sinto que os muros nos condicionam a respeitar o status-quo e a propriedade privada sem questionar, assim como nos conforma com uma vida sem horizontes, ao normal, e com certeza ajudam a fazer com que nos percamos de nós mesmos neste labirinto urbano. Em contraposição, iniciativas como ruas de lazer, quermesses, entre outras, são afetos de alegria, nos colocam abertos ao diálogo, ficamos mais generosos, empáticos.

Um outro exemplo seriam os ritmos urbanos, sobretudo a velocidade em que vivemos junto com a falta de lugares vagabundos, tudo isso nos leva a viver uma vida pratico-funcional, com menos encontros, e induz o consumo de lugares voltados a simularem espaços públicos, ou seja, um consumismo esquizofrênico que nunca se satisfaz porque o privado travestido de público sempre perpetua sua ideologia, é a sociedade do espetáculo de Guy Debord.

Isto esta diretamente ligado a hostilidade presente em algumas cidades, onde a violência urbana gerada pela desigualdade social, acarreta em um espaço público visto como uma zona a ser evitada devido sua periculosidade eminente, isto nos afeta profundamente, quando o outro ao invés de possibilidade torna-se um perigo, ou mesmo um inimigo, sem dúvida este espaço está nos subjetivando, é obvio mas isso precisa ser dito, pois a normalidade se esquece e busca soluções falsas, considero inclusive, que este espaço pode até eleger políticos belicistas e ignorantes, como o buraco em que estamos enfiados agora, que por sua vez agem para reforçar esse contexto em um circulo vicioso heterogêneo: privatização, segregação, consumo, medo, soluções fáceis que aprofundam abismos, etc.


03. Partindo dos conceitos de espaço e lugar, apresentados no curso Intersecções Urbanas, você considera as cidades com mais espaços ou lugares?


Eu poderia dizer que há mais espaços do que lugares, tendo em vista que existem inúmeros processos que aniquilam lugares para construir espaços homogêneos, os exemplos são inúmeros, entretanto, novos lugares também são criados com a extinção dos antigos, é muito difícil quantificar, acho que ambos se sobrepõe sempre, e deveríamos olhar por um viés qualitativo sobre o assunto, pois é o que de fato importa, no entanto, com certeza, a lógica como o espaço é planejado e ocupado de modo estriado, fazendo uso de um conceito de Deleuze e Guattari - já que você citou o curso Intersecções Urbanas: Arte, Espaço e Sentidos, ministrado no Instituto Adelina em 2021 - com certeza diminuem a potência do lugar no espaço.


04. As cidades são construídas a partir de uma lógica de poder, e não a partir das necessidades dos usuários. Na sua opinião, esta forma de produção do meio gera vazios urbanos?


Prefiro nomear como lógica da mercadoria, que talvez acarrete no que você nomeia de lógica de poder, pois influi em relações de forças antagônicas, mas acho que antes do poder estão os interesses econômicos, ou melhor, é um combo só. Sem dúvida uma cidade voltada para interesses econômicos é capaz de tocar fogo numa favela para ali abrir espaço para algum empreendimento, ou seja, a vida humana e os interesses comuns não tem espaço nessa terra arrasada, é a mesma lógica dos latifundiários que estão acabando com nossa fauna e flora longe dos centros urbanos, sim, aqueles que desejam lucrar gostariam de que as cidades fossem grandes pastos para passarem suas boiadas, talvez alguns espaços homogêneos já sejam e não nos demos conta. Mas, deixando de lado o trocadilho pasto-rebanho-consumo, acho que a forma de produção como as cidades são geridas levam sim a uma desertificação do espaço público e da noção de comum. Entretanto, por se tratar de uma relação de forças, sempre haverá possibilidade de estratégias de resistências perante aos contextos, algumas vezes um pouco mais quixotescas e/ou simbólicas, e nisto eu me incluo com meus trabalhos, e outras vezes mais organizadas com iniciativas da sociedade civil, o caso do movimento Ocupe Estelita em Recife é um ótimo exemplo disso.


05. Sabemos que existem vazios propositais no espaço urbano, que são lugares de encontro, de festa e manifestações políticas e culturais, e que também existem os vazios que são espaços sem uso/função. O que você pensa dessa contradição?


Quando você diz vazio urbano me vem a cabeça um texto Win Wenders em que ele aborda a necessidades de respiro na paisagem urbana ocasionado pelos vazios, se não me engano o texto se chama A Paisagem Urbana ou algo do tipo, eu estou com ele e não abro, acho fundamental termos horizontes, precisamos nos desencaixotar, não por acaso a linha horizontal do mar nos faz bem. Mas note que comecei a responder sua pergunta por uma perspectiva da paisagem, é que acho que a paisagem influi no espaço e altera o lugar, assim como vice-versa. Nós somos a paisagem e precisamos de horizontes em nossas vidas. Nós estamos nesse ponto de intersecção.

Acho fundamental espaços vazios com potencial de Ágoras, como é o vão livre do MASP projetado pela Lina Bo Bardi, para citar apenas um exemplo. Este é um tipo de vazio que potencializa a participação política na cidade, nos traz sentido de comunidade.

Sobre os outros espaços vazios sem uso/função que você cita, acho apenas que devem ser ocupados, a revelia dos interesses privados se necessário. Eu particularmente adoro esses espaços, acho eles super potentes.


06. Como artista e pesquisador da cidade, quais as principais conclusões você conseguiu tirar das intervenções que realizou?


Muito difícil responder essa pergunta, eu poderia escrever uma dissertação, me alongar enumerando vários fatos e coisas, mas acho que toda conclusão é provisória (ainda mais se tratando do meu trabalho como artista), prefiro apenas dizer que as cidades são muito mais do que elas apresentam ser, são palimpsestos a serem decifrados, (u)topias a serem praticadas, potências.


07. Onde está ou qual é a interseção entre arte e cidade para você?


A intersecção entre arte e cidade para mim é desejante, é produtora de afetos e sentidos. Entre cidade, paisagem, lugar, espaço, sujeito e arte, estão os processos de subjetivação, aquilo que define nossas escolhas, as maneiras como percebemos o mundo, e, sobretudo, como atuamos nele.


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Março de 2021

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